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Como os governos podem olhar para a Inteligência Artificial?

Governos que não se adaptarem à revolução tecnológica promovida pela IA ficarão para trás, escreve Delza Assis

Tempo de leitura: 4 minutos


A história da humanidade é permeada pelo medo do desconhecido e pelo receio de perder o controle sobre suas criações. No mito de Prometeu, o titã desafia os deuses ao conceder o fogo aos homens, conferindo-lhes uma supremacia frágil sobre os demais seres vivos. Esse temor se repete na ficção e na realidade.

O romance Frankenstein, de Mary Shelley, por exemplo, explora o dilema da criação que foge ao controle de seu criador. Hoje, vivemos uma situação similar com o avanço da Inteligência Artificial (IA).

Desde as primeiras experimentações computacionais até os sistemas modernos de IA, como o ChatGPT, a tecnologia vem evoluindo a passos largos. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) define IA como “um sistema baseado em máquina que pode, para um determinado conjunto de objetivos definidos pelo homem, fazer previsões, recomendações ou decisões que influenciam ambientes reais ou virtuais“. A definição nos mostra que lidamos com uma ferramenta poderosa, capaz de transformar setores inteiros da sociedade.

Diante desse impacto, debates sobre regulação, ética e limitação da IA estão em curso. Em 2023, grandes nomes da tecnologia solicitaram uma pausa no avanço da IA por temer que a competição com a inteligência humana pudesse trazer riscos à humanidade. No entanto, mesmos esforços tão poderosos não foram capazes de conter a adoção da IA, que já se mostrou uma realidade irreversível. Uma nova demonstração desse movimento é o surgimento da IA chinesa DeepSeek, que, além das inovações nos padrões tecnológicos se comparados ao concorrente ChatGPT, apresentou um novo modelo de negócio capaz de derrubar o valor de mercado de uma das empresas mais valiosas do mundo atualmente: A Nvidia.

Inteligência artificial na governança pública

Governos ao redor do mundo começam a enxergar o potencial da IA para modernizar e tornar mais eficientes os processos administrativos. O governo da Bélgica, por exemplo, utiliza IA para analisar grandes volumes de dados coletados em plataformas de participação cidadã, permitindo a formulação de políticas públicas mais alinhadas às necessidades da população.

Outras aplicações incluem:

  • Automatização de processos: com uso de IA para gerar documentos públicos padronizados, facilitando a elaboração de contratos, relatórios e pareceres.
  • Atendimento ao cidadão: onde chatbots inteligentes podem responder dúvidas e fornecer informações sobre serviços públicos.
  • Segurança e análise criminal: sistemas de reconhecimento de padrões ajudam na prevenção de crimes e na análise de dados policiais.
  • Planejamento urbano: adotando IA para analisar o trânsito, prever congestionamentos e auxiliar na otimização de transporte público.

Vale lembrar que, em 2023, o então presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, assinou uma Ordem Executiva que destacou a necessidade de treinamento de servidores públicos no uso responsável da IA, garantindo que a tecnologia seja utilizada para aprimorar os serviços públicos.

O uso da IA precisa estar alinhado a princípios éticos e responsáveis. Nesse sentido, os cinco princípios da OCDE para uma IA confiável fornecem um bom guia de base para os governos.

  1. Crescimento inclusivo e bem-estar: A IA deve contribuir para o desenvolvimento sustentável e melhorar a qualidade de vida da população.
  2. Valores centrados no ser humano: O respeito aos direitos humanos e aos valores democráticos deve estar na base do desenvolvimento e da implementação da IA.
  3. Transparência e explicabilidade: As decisões tomadas pela IA devem ser compreensíveis para os cidadãos e passíveis de questionamento.
  4. Segurança e proteção: Os riscos associados ao uso da IA precisam ser monitorados e mitigados continuamente.
  5. Accountability: Desenvolvedores e operadores de IA devem ser responsabilizados pelo funcionamento adequado dos sistemas.
O futuro: adaptação e inovação

Certamente, governos que não se adaptarem à revolução tecnológica promovida pela IA ficarão para trás. O perfil do cidadão moderno exige serviços públicos mais eficientes, acessíveis e personalizados. A inteligência artificial não substituirá a capacidade humana, mas se tornará a ferramenta essencial para otimizar processos e melhorar a gestão pública.

A discussão sobre a regulação da IA continuará evoluindo, mas o que se sabe é que seu uso já está transformando a sociedade. Cabe aos governos garantir que essa transformação ocorra de maneira ética, segura e benéfica para todos.

Delza Assis é especialista em Relações Institucionais e Governamentais da 1Doc

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